Aos três anos decidimos colocar a Inês num Jardim Escola João de Deus... O pai já tinha frequentado um e embora só tivesse permanecido dois anos falava muito sobre... comecei a interessar-me, a pesquisar sobre o método e a aconselhar-me... Confesso que as opiniões se dividem... de facto o método não é para todas as crianças e hoje concordo plenamente! Mas com a Inês foi a melhor decisão!! Ela nasceu... para ser ensinada assim! Obrigada João de Deus! Obrigada por essa paixão que teve pela educação e pela formação, que partilho e muito admiro!! Obrigada pelo que fez por Portugal. Entristece-me perceber que a grande maioria dos alunos do nosso sistema público comete tantos erros a escrever... e que ninguém tem a coragem de adoptar o método da cartilha no sistema público. Porque será???
A minha homenagem é deixar aqui um breve resumo sobre quem foi... especialmente para que a minha Inês um dia possa ler e verificar que foi, de facto, devido a si... que escreve tão bem!!!
Breve resumo sobre João de Deus...
João de Deus Ramos Nogueira nasceu a 8 de Março de 1830 em São Bartolomeu de Messines. Filho de comerciantes humildes, teve 6 irmãos. Na infância estudou com o pároco da sua aldeia. Passou pelo seminário de Faro e de Coimbra e licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra.
Escrevia poesia e tinha o fascínio pelo desenho à pena. Tocava viola na perfeição e compunha música. Humilde e afável, rapidamente captou o afecto dos que o rodeavam. Era um conversador maravilhoso, amante das tertúlias, era admirado pelos colegas e conhecido por todos por o “João”.
Colaborou com muitos jornais mas não queria que lhe pagassem um salário fixo. Bastava que lhe pagassem o quarto e o tabaco. Também tinha o hábito, desde estudante, de fazer as viagens a pé, pernoitando em casa de quem lhe desse guarida. Como reconhecimento oferecia poesias e desenhos feitos por ele a quem o acolhia.
No Algarve encontrou uns velhos amigos que se aperceberam que apesar de João de Deus ser uma pessoa inteligente e culta, vivia de um modo
humilde. Pensaram, então, apresentar o seu nome para candidato a deputado pelo círculo de Silves à Assembleia Nacional, contrariando assim a sua vontade. João de Deus montou um burro e percorreu as aldeias pedindo que não votassem nele, mas acabou por vir a ser eleito. Como consequência mudou-se para Lisboa em 1868.
Em 1870 recebeu um convite para criar um método de leitura adaptado à língua portuguesa e inicia desde logo esse seu novo projecto a que chamará mais tarde Cartilha Maternal ou Arte de Leitura.
A 18 de Fevereiro de 1877 a Cartilha Maternal acabou de ser impressa em cujo prefácio João de Deus escreveu:
"(...) Às mães, que do coração professam a religião da adorável inocência, e até por instinto sabem que em cérebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e violência pode deixar vestígios indeléveis, oferecemos, neste sistema profundamente prático, o meio de evitar a seus filhos o flagelo da cartilha tradicional. (...)"
Incrível... como pensava nas crianças e no cuidado que deve existir em não as aborrecer...mas sim estimular e fascinar!
Ao longo dos anos as várias edições da Cartilha Maternal esgotavam-se rapidamente. Mas João de Deus começou a pensar em fazer algo mais pelo povo português. Estava preocupado com a necessidade de chegar a um maior número de pessoas, mesmo aquelas que não iam à escola. Falou com o seu amigo Casimiro Freire e com a sua ajuda monetária e alento psicológico fundou a Associação de Escolas Móveis pelo Método João de Deus em 1882. Começou a dar formação gratuita de Cartilha Maternal ou Arte de Leitura, Arte de Escrita e Arte de Contas em sua casa a adultos que iriam trabalhar como professores do Método João de Deus, percorrendo o país em missões de alfabetização.
(...) Não basta ler, é necessário ler com conhecimento de causa. Quem não tem a análise das letras, quem não sabe as regras dos seus valores, não pode ensinar bem; e ensinando mal, isto é, com muito custo e pouco proveito, naturalmente se furta às ocasiões de ensinar os outros; o que é um grande mal. Eu espero ainda que às avessas do que actualmente se pensa, a opinião geral de todos seja que nada
mais fácil do que render esse serviço enorme, imenso, talvez o máximo que podemos prestar. Porque eu posso ser homem sem saber retórica : o que não posso é ser verdadeiro homem sem saber ler. (...)
Hoje, quando ajudo a Inês a rever as lições da cartilha aprendo as regras e os valores das letras... e a sensação que tenho é que aprendi... sem esse conhecimento de causa... e que pena tenho eu disso!!!
No dia do seu 65º aniversário, a 8 de Março de 1895, foi agraciado pelo rei D. Carlos com a condecoração Grã Cruz de Santiago. O rei tomou a iniciativa de ir pessoalmente a sua casa entregá-la. João de Deus encontrava-se debilitado devido à sua doença. Nesse mesmo dia foi-lhe feita uma homenagem de gratidão e apreço organizada pelos estudantes de Lisboa e outras associações estudantis que se quiseram associar, vindas do Porto, Coimbra e Santarém. Juntaram-se no Rossio, foram a pé até à casa de João de Deus e diante dela gritaram vivas, dedicaram-lhe canções e ofereceram presentes. João de Deus, abriu a janela, emocionado e declamou :
Que vindes cá fazer, oh
mocidade?
Despedir-vos de mim? Quanto
vos devo!
Também levo de vós muita
saudade
E em lá chegando à outra
vida...escrevo.
Estas honras, este culto
Bem se podiam prestar a
homens
De maior vulto
Mas a mim, poeta inculto
Espontâneo e popular
É de veras singular
Eu diria... que são as pessoas como tu... que pensam nos outros... na sua formação e no seu desenvolvimento.... sem esperar nada em troca ... que merecem as maiores homenagens!
Morreu a 11 de Janeiro de 1896. Foi feito um grandioso cortejo formado por amigos e gente do povo que o amava profundamente. As autoridades decidiram levá-lo para o Mosteiro dos Jerónimos. A 1 de Dezembro de 1966 o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional.